domingo, 16 de maio de 2010

V


Amo a recordação daqueles dias nus

Em que Febo inundava as estátuas de luz,

Quando homem e mulher na sua agilidade

Folgavam sem engano e sem a ansiedade.

A afagar-lhes a espinha um sol pleno de amor

Da máquina mais nobre excitava o vigor.

Cibele, que era então de seio generoso,

Nos seus filhos não via o que fosse oneroso.

Mas, loba, o coração todo ternuras plenas

Aleitava o universo com tetas morenas.

Ágil no seu vigor, o homem em boa lei

Podia envaidecer-se ao chamarem-no rei;

Frutos puros de ultraje e virgens feridas

De carne lisa e firme evocando mordidas.

Hoje, o Poeta quando almeja imaginar

Tal grandeza nativa onde vá contemplar

A nudez da mulher perto da nudez do homem

Sente arrepios negros, os que a alma consomem.

A este negro painel, uma imagem de espanto.

Ah, monstruosidades que esperam um manto!

Troncos dignos de máscaras, ridículos, desnudos,

Pobres corpos torcidos, flácidos ou ventrudos,

E que o Útil, este deus sereno e sem cansaço

Logo à infância envolveu em tristes cueiros de aço.


Charles Baudelaire

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