domingo, 16 de maio de 2010

Ao Leitor


Sempre tolice e erro, culpa e mesquinhez
Trabalham nosso corpo e ocupam nosso ser,
E aos remorsos gentis, nós damos de comer
Como o mendigo nutre a sua sordidez.

Frouxo é o arrependimento e tenaz o pecado,
Por nossas confissões muito é o que a alma reclama,
Voltando com prazer a um caminho de lama,
Crendo lavar as manchas com um pranto amaldiçoado.

Junto ao berço do Mal é Satã Trismegisto,
A nossa alma a ninar tão longamente invade,
Do precioso Metal desta nossa vontade,
Este alquimista faz um vapor imprevisto.

É o Diabo que nos move através de cordéis!
O objeto repugnante é o que mais nos agrada;
E do Inferno a descer sempre um degrau da escada,
Vamos à noite errar por sentinas cruéis.

Tal como um libertino que beija e mastiga,
O seio enrugado da velha vadia,
Furtamos ao acaso uma oculta alegria,
Que esprememos assim como laranja antiga.

Espesso, a formigar como um milhão de helmintos,
Ceva-se em nossa fronte um povo de avejões,
E quando respiramos, a Morte nos pulmões,
Desce, invisível rio e com sons indistintos.

E se o estupro, o veneno, o incêndio e a punhalada,
Não puderam bordar com seus curiosos planos
A trama banal vã dos destinos humanos,
É que nossa alma enfim não é bastante ousada.

No entanto entre lebréus, panteras e chacais,
Macacos e escorpiões, abutres e serpentes,
Os monstros a grunhir, ladrantes ou gementes,
Que são o nosso vício em infames currais.

Um existe mais feio e mais perverso e imundo!
Embora não se expanda em gestos ou em gritos,
De bom grado faria da terra só detritos,
E num simples bocejo engoliria o mundo.

É o tédio! - os olhos seus que a chorar sempre estão,
Fumando o seu huka, sonha com o cadafalso.
Tu conheces, por certo, o frágil monstro, ó falso
Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

Charles Pierre Baudelaire

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