Amo a recordação daqueles dias nus
Em que Febo inundava as estátuas de luz,
Quando homem e mulher na sua agilidade
Folgavam sem engano e sem a ansiedade.
A afagar-lhes a espinha um sol pleno de amor
Da máquina mais nobre excitava o vigor.
Cibele, que era então de seio generoso,
Nos seus filhos não via o que fosse oneroso.
Mas, loba, o coração todo ternuras plenas
Aleitava o universo com tetas morenas.
Ágil no seu vigor, o homem em boa lei
Podia envaidecer-se ao chamarem-no rei;
Frutos puros de ultraje e virgens feridas
De carne lisa e firme evocando mordidas.
Hoje, o Poeta quando almeja imaginar
Tal grandeza nativa onde vá contemplar
A nudez da mulher perto da nudez do homem
Sente arrepios negros, os que a alma consomem.
A este negro painel, uma imagem de espanto.
Ah, monstruosidades que esperam um manto!
Troncos dignos de máscaras, ridículos, desnudos,
Pobres corpos torcidos, flácidos ou ventrudos,
E que o Útil, este deus sereno e sem cansaço
Logo à infância envolveu em tristes cueiros de aço.
Charles Baudelaire